Por Fernando Barroso Duarte (Presidente SBTMO; HUWC-UFC)
Hoje, 4 de fevereiro, é o Dia Mundial do Câncer, uma doença que no século passado as pessoas evitavam até pronunciar o nome, mas que aos poucos com a evolução da ciência, foi ganhando uma nova visão.
Aliás, você conhece a origem da palavra “câncer”? Curiosamente, vem do grego “Karkinos” que significa “caranguejo”. O médico e pai da medicina, Hipócrates, ao observar o tumor e a maneira com a qual se espalhava, fez uma analogia ao crustáceo, que caminha pela maneira também “se espalhando” com suas patas.
Fato é que, de Hipócrates até a atualidade, observamos uma mudança de cenário. Nos últimos 30 anos muito se evoluiu no tratamento desta doença, e isso se deve ao maior conhecimento e o cuidado com estes pacientes, que têm um bom suporte terapêutico, inclusive com a inserção das equipes multidisciplinares e mesmo as terapias integrativas, que permitem uma melhor compreensão do câncer e minimizam seu impacto na vida das pessoas.
Sou hematologista e a minha área de atuação restringe-se a oncohematologia, em que trato casos de pacientes com linfomas, mielomas, mielodisplasias e, também, de leucemias.
Existe um marco nesta área que é o início do tratamento das leucemias mieloides crônicas com inibidores de tirosina quinases no final dos anos 90, e que iniciou um novo cenário da terapia-alvo como um todo, beneficiando até os tumores sólidos, pela compreensão dessa via enzimática.
Temos observado uma verdadeira revolução nesta área, que vai desde à imunoterapia, com uso de anticorpos monoclonais, como o rituximabe (anti-CD20) e outros mais modernos, com ação biespecífica, ou inibidores de check-point, que tem um mecanismo de ação revolucionário, pois esclarece a importância do controle do sistema imune no tratamento destas doenças até às terapias com drogas alvo direcionadas , com inibidores de mutações de FLT3 ou mesmo drogas anti-Bcl2.
Desde 1957, quando da revolucionária realização do primeiro transplante de medula óssea no mundo pelas mãos do Dr. Donall Thomas e sua equipe, o tratamento e as perspectivas de vida de milhares de pessoas no mundo inteiro, com neoplasias ou mesmo falências medulares, mudou completamente, trazendo uma esperança e uma nova chance de vida. No Brasil, o primeiro procedimento foi realizado há mais de quatro décadas, pelo Dr. Ricardo Pasquini e equipe e, atualmente, realizamos uma média de 4.000 transplantes de medula por ano, segundo dados da Sociedade Brasileira de Terapia Celular e Transplante de Medula Óssea (SBTMO)/ Center for International Blood and Marrow Transplant Research (CIBMTR) e, também, da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
Somado a isso, vimos nos últimos 10 anos o crescimento da terapia celular , com inúmeros pacientes sendo tratados com o CAR T Cell, que se por um lado trouxe mais esperança, por outro abre um grande questionamento sobre meios para promover o acesso a esta terapêutica. Não podemos esquecer a terapia gênica, que já revolucionou tratamentos de doenças hereditárias benignas, e que promete acrescentar mais inovações na terapêutica do câncer.
Além destas, a inovação do uso de células Natural Killer (NK), para tratamento de algumas neoplasias, como leucemia mieloide aguda e tem o pioneirismo no Brasil da hematologista e pesquisadora Lúcia Silla (HCPA-UFRGS) e ex-presidente da SBTMO. Inclusive, o artigo de revisão de Silla: “Peripheral blood persistence and expansion of transferred non-genetically modified Natural Killer cells might not be necessary for clinical activity”, foi destaque na ação especial da Sociedade Britânica de Imunologia (BSI, na sigla em inglês), pelo Dia Mundial do Câncer, celebrado hoje, 4/2. (convido todos a conferirem a matéria em nosso site https://sbtmo.org.br/nk-cells-artigo-de-pesquisadora-brasileira-e-pela-bsi/ )
Diante de tudo que foi exposto, ficam inúmeras interrogações, pois se temos muito que comemorar do ponto de vista científico, entretanto a acessibilidade a estes tratamentos ainda não é universal. Na realidade, quando falamos de tratamento de câncer, precisamos nos lembrar da necessidade de aspectos preventivos e mesmo educacionais, e de quem infelizmente, nos deparamos ainda com dificuldades em questões básicas no diagnóstico, no tratamento com quimioterapia já amplamente conhecida .Sabemos que a precocidade diagnostica , pode ser de máxima importância para termos resultados melhores do que temos hoje em dia no mundo real , impactando sobremaneira na tão almejada e necessária “cura”, que pode realmente acontecer.
A reinserção dos indivíduos na sua vida normal, ou mesmo à perspectiva de uma vida mais plena e feliz após um tratamento de câncer é, sem dúvida alguma, uma das grandes metas do nosso trabalho. Precisamos de uma ampla discussão de políticas públicas, que incorporem as novas tecnologias e tratamentos essenciais, e cumpram o direito universal à saúde, tão bem escrito na nossa constituição, sem distinção de cor, classe social, credo ou discriminação de qualquer natureza.
Que tenhamos esta consciência não apenas no dia 4 de fevereiro, mas em todos os demais que temos pela frente.
Viva a ciência e todo esforço para melhorar a vida dos seres humanos!
Quer saber mais sobre a história do câncer? Acesse aqui o artigo do Inca